segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Denunciar cobardes é preciso

"Anda a circular um video que mostra o primeiro ministro a falar com os jornalistas do Expresso, off the record, a dizer coisas sobre o caso de Reguengos que, não fosse ser off the record, poderiam ser tidas como caluniosas, difamatórias e altamente insultuosas para os profissionais a quem se dirigem. Assim, como é off the record, são só "descontextualizadas". Parece até, segundo uma nota já emitida pela redacção do Expresso, que ao sr. primeiro-ministro é devido um pedido de desculpas pela divulgação destas barbarid... digo, palavras descontextualizadas.

Mas tendo visto e ouvido, ainda que indevidamente, o infame excerto, poderemos começar a pensar em quem serão afinal os gajos cobardes, que o PM tão corajosamente denuncia, off the record, claro.

Devem ter sido os médicos e enfermeiras da USF Remo, de Reguengos de Monsaraz, que, desde que foi conhecido o primeiro caso, começaram a passar o dia no lar da fundação, a testar os utentes, a avaliá-los como podiam (e já toda a gente sabe em que condições), a compensá-los, e a alertar quem de direito para a situação infernal que ali se vivia. Esses cobardes. Isto enquanto asseguravam em simultâneo o funcionamento da USF, mesmo com metade da equipa em quarentena, segundo indicação da saúde pública. Os cobardolas.

Ou então foram os colegas (médicos, enfermeiros, secretários clínicos - todos do SNS) que asseguraram o funcionamento de um ADC criado em Reguengos especialmente para as testagens em massa no concelho, esses cobardes.

Ou os que prestaram apoio no pavilhão (e ainda há algumas coisas por dizer sobre as condições do pavilhão), em turnos de 12 horas diárias, inicialmente com o apoio das forças armadas, e depois, quando estas deixaram de ir, sozinhos. Foram médicos cobardes e enfermeiros cobardes de todo o distrito, e ainda alguns de fora. Todos do SNS, claro. Os cobardes.

Talvez sejam estes cobardes todos que, apesar das tentativas de pressão e de silenciamento, e das ameaças de processos disciplinares, não se calaram e não deixaram de denunciar as condições horríveis em que os utentes do lar estavam e em que os profissionais firam obrigados a trabalhar.

Não serão com certeza as entidades superiores que já admitiram que, mesmo quando se deslocaram ao lar, não vestiram um EPI nem estiveram junto dos utentes.

Também não devem ser os secretários de estado ou a directora geral da saúde, que quando se deslocaram à região, não foram ao lar ou ao pavilhão, ver onde e como estavam os velhos, que isso seria cobardia. Não, preferiram reunir-se corajosamente na sede da ARS em Évora, a 40 km dos velhos e dos EPIs, para concluirem que estava tudo a ser muito bem feito.

E não foi de certeza o primeiro ministro, que estava corajosamente de férias quando o escândalo rebentou. E já agora, rebentou porquê, se quem de direito já tinha concluido que toda a gente, desde o presidente da câmara à ARS, tinha feito tudo de forma exemplar? Ora, por causa da auditoria da Ordem dos Médicos, motivada pelas denúncias destes cobardes que, não só não baixaram os braços, como se recusaram a comer e calar.

Esses gajos. Esses cobardes"

O texto acima é de um médico que trabalha na ARS Alentejo, de nome João Guerra Marques, que pelos vistos ainda não sabe que quem se mete com o PS leva e quem se mete com o todo poderoso Presidente Multiplicado, leva muito mais !