quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Sadismo académico


https://www.publico.pt/2020/09/21/local/noticia/praxar-praxado-universidade-lisboa-vale-processo-disciplinar-1932306

A propósito da recente noticia no link acima e depois de em 2018 ter "malhado" (leia-se ter criticado, no âmbito do meu legitimo direito de opinião, embora com alguma contundência) o Sr. Reitor da Universidade de Lisboa (vide o conteúdo do email que abaixo se reproduz, sob o título "A nova "pupila" do Sr. Reitor da Universidade de Lisboaque em 20 de Maio de 2018), sou, pelo menos desta vez, a dar parabéns ao Reitor da Universidade de Lisboa, pela inusitada coragem em proibir de forma bastante veemente o sadismo praxista, sadismo esse que faz prova de uma flagrante e absolutamente inequivoca, ausência de requisitos minimos para ingresso numa universidade digna desse nome e sadismo esse que importa recordar, de quando em vez resulta em contas de milhares de euros para serem pagas pelos contribuintesjá para nem falar das mortesque algumas universidades, de forma vergonhosa, se tentam escapar a pagar.


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De: F. Pacheco Torgal
Enviado: domingo, 20/05/2018 à(s) 21:21
Assunto: A nova "pupila" do Sr. Reitor da Universidade de Lisboa

Recebi hoje um email de um colega da ULisboa dando-me conta de um recente discurso do senhor Reitor daquela universidade, onde aquele aproveitou para revelar a sua nova “pupila”, quando disse que pela sua parte tudo fará para acabar com a carreira de investigaçãopois segundo o próprio em Harvard não há investigadores mas somente professores, discurso acessível aqui https://www.youtube.com/watch?v=c5jGL6mqwnc

Antes porém de comentar a oportunidade e a substância daquela que é a nova e inusitada “pupila” do Sr. Reitor é pertinente que comente antes disso outro pupilo do Sr. Reitor, comentário esse que serve como comprovativo introdutório sobre a qualidade do referido discurso.

Ao minuto 31 do discurso disse o Sr. Reitor que em 2016 a Universidade de Lisboa estava à frente de todas as Universidades Italianas e Espanholas no ranking Shangai. Este facto porém não corresponde minimamente à verdade e mostra como o Sr. Reitor não se importa de usar factos alternativos em sua defesa, porque no referido ano e no referido ranking a Univ. de Lisboa estava no grupo 150-200, o mesmo grupo onde estavam a Univ. Sapienza e a Univ.Barcelona e nesse grupo a ULisboa até aparece abaixo daquelas e não é por mero acaso. 

Já sobre as pérolas que envolvem a universidade de Harvard é bom saber que o Sr. Reitor têm elevadas ambições para a Universidade de Lisboa, infelizmente parecem ambições na mesma linha daquele conhecido sapo que tentou imitar um boi e que como todos sabemos não acabou bem. 

Desde logo é muito estranho que o Sr. Reitor compare a ULisboa a Harvard quando não consegue sequer que a sua universidade figure sequer no ranking das 100 mais inovadoras da Europa https://www.reuters.com/article/us-emea-reuters-ranking-innovative-unive/reuters-top-100-europes-most-innovative-universities-2018-idUSKBN1HW0B4

Curiosamente também nunca preocupou o Sr. Reitor que a percentagem de endogamia da universidade que "dirige" esteja muito longe da Universidade de Harvard. http://www.dgeec.mec.pt/np4/EstatDocentes/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=138&fileName=EndogamiaAcademica.pdf  

Se a endogamia por cá até choca o Sr.Ministro que publicamente a considerou inadmissível em Harvard era garantido que dava direito ao despedimento daqueles que nada fizeram para a impedir. Se coerência houvesse o Sr. Reitor tinha-se demitido no mesmo dia em que o Ministro Manuel Heitor se pronunciou sobre a endogamia daquelas unidades orgânicas que fizeram o pleno ou que são conhecidas como o clube do bolinha, aqui só entra quem é da casa. Ou seja relativamente a Harvard o Sr. Reitor só olha para aquilo que lhe dá jeito. O que não dá jeito é como se não existisse. 

É verdade que de Harvard não conheço tanto como o Sr. Reitor (ou talvez conheça...) mas conheço pelo menos alguma coisa de algumas universidades da Suécia, onde há professores sexagenários a concorrer e ganhar bolsas da ERC e a escrever artigos em nome individual, sem explorarem o trabalho de bolseiros (ou como escreveu um catedrático de Stanford, que se especializarem na escravatura de jovens investigadores) que é coisa que por cá há pouco e já nem falo daquele milhar de professores que a DGEEC diz que não estão integrados em nenhuma unidade de investigação, mas que o Sr. Reitor diz que nunca ouviu falar, pois como ele diz no seu discurso não conhece nenhum professor que não faça investigação, isto muito embora haja no documento no link abaixo várias centenas (355 ETI) nessa condição e que pertencem curiosamente à Universidade de Lisboa 

 A verdade que o Sr. Reitor têm dificuldade em reconhecer é que a academia Portuguesa tem elevada diversidade. Há por lá raros professores de elevada craveira, como o conhecido Sobrinho Simões que fazem o pleno em termos de pedagogia e de liderança no campo da investigação, há também por lá muitos professores com elevadas capacidades pedagógicas, mas sem capacidade para fazer investigação, há ainda excelentes professores com elevada capacidade de investigação, mas pouco ou nenhum interesse pela docência, de quem os alunos não sentem falta e muito menos saudade e até há na academia Portuguesa quem não tenha qualquer capacidade pedagógica nem nunca sequer tenha dado mostras de ter especial inclinação para a investigação, que ninguém percebe como é que chegaram à nomeação definitiva e porém lá se vão aguentando dando as suas aulinhas e conseguindo até por vezes que o nome deles apareça em artigos onde fizeram nada. 

É claro que se poderia em tese admitir, que deveríamos levar em boa conta os conselhos do Sr. Reitor da Universidade de Lisboa, porque ele lidera uma universidade infalíve,l onde os mais altos padrões são prática quotidiana e constituem um brilhante farol para a restante academia. Poder podia mas é sempre preferível olharmos menos para discursos de circunstância de quem têm verbo fácil e é mais avisado concentramos a nossa atenção nos factos. E alguns dos factos que interessam são por exemplo os abaixo descritos: 

Como este catedrático da ULisboa que disse que os professores são contratados para não irem fazer sombra aos que já lá estão https://sol.sapo.pt/artigo/520326/jorge-calado-chumbei-um-curso-inteiro-com-zero-valores-

 Ou como por exemplo esta brilhante pérola da ULisboa que dita que "a justificação das propostas de abertura de concursos e/ou dos critérios/pesos adotados na elaboração dos editais deve ser acompanhada dos curricula vitae de potenciais candidatos" e que mostra bem como se ajustam as regras concursais naquela universidade

Ou os Professores da U.Lisboa que participaram neste vergonhoso concurso  http://dererummundi.blogspot.pt/2016/05/recrutamento-de-docentes-de-matematica.html

Ainda sobre Harvard, é bom reconhecer que por lá também fazem asneira grossa, como se percebe por exemplo, pelo facto daquela universidade já ter mais artigos retractados por falsificação de resultados, do que os artigos retractados pelas mesmas razões, originários de todas as universidades da Suécia. E já nem sequer falo na pouca vergonha que mostra que Harvard anda a descurar a selecção de alunos por mérito e ao mesmo tempo se anda a tornar apenas uma coutada de filhos de ricos e poderosos:

Ou será que o Reitor da ULisboa também quer alterar o sistema de ingresso no ensino superior para o tornar mais parecido ao de Harvard, assim permitindo aos alunos sem média suficiente, mas filhos de famílias abastadas, entrarem directamente na Universidade de Lisboa ?

Ou seja nem tudo o que vem de Harvard merece ser seguido e muito menos copiado, como aconselha a prosa do Sr. Reitor e também o facto de lá (e noutras universidades da Ivy League) terem uma minoria de professores e um exército de escravos que de vez em quando se suicidam https://www.timeshighereducation.com/features/poisonous-science-dark-side-lab não é algo que se recomende mas que no limite até se pode entender numa universidade privada de um país fortemente liberal e onde se cultiva de forma patológica a narrativa do "be rich or die trying".

Uma nota ainda sobre a carreira de investigação, que tanto irrita o Sr. Reitor. Faz todo o sentido que exista nas universidades uma carreira de investigação, que corresponda no mínimo a 10-15% do corpo docente. Estes investigadores estariam isentos de actividade lectivas, excepto nos períodos em que não tivessem ganho projectos de investigação, sendo que nessa altura teriam as mesmas responsabilidades lectivas dos restantes docentes. Aliás no discurso acima, o próprio Reitor da ULisboa admitiu que há por lá docentes que por serem responsáveis por projectos importantes ficaram isentos de actividade lectiva, são assim falsos docentes mas antes investigadores a 100%.

Porém a verdade “negra” que justifica que uma tal carreira irrite tanto Sr. Reitor e também outros, é porque muitos desses são curiosamente aqueles que como escreveu aquele conhecido Catedrático de Medicina da Univ. Stanford, se especializaram na exploração do trabalho escravo de jovens investigadores, interessa-lhes por isso acabar o mais cedo possível com uma tal carreira, pois a mesma reduz inadmissivelmente a quantidade de trabalho escravo e que é por essa razão um espinho cravado na garganta do status quo. Para muitos desses o único investigador bom e aceitável é o investigador que previamente fez prova de subserviência aprovado em concursos de fachada e cuja missão se resume a colocar em paper as geniais ideias de um professor, para que o mesmo possa assim ir enchendo o currículo e passear-se por conferências e congressos dando conta do que fazem os seus subordinados investigadores às ordens da sua iluminada visão. A verdade porém que não é escamoteável é que aquilo que convém a esses professores não é aquilo que convém a Portugal, país que já aboliu qualquer forma de escravatura há muito tempo, real ou mental, embora ainda haja quem lhe sinta a falta.

Se outra razão não houvesse a carreira de investigação justifica-se nas universidades públicas Portuguesas como forma de conseguir que a academia possa dispor de investigadores não marcados mentalmente pelo "ferro" de nenhum "negreiro", leia-se investigadores independentes e não subservientes aos jogos de interesses lá instalados, interesses esses que podem servir muitos dos que controlam as universidades mas que não servem o superior interesse de Portugal.

Nota final: Um investigador (ou docente que também os há) portador da "marca do negreiro" é aquele selecionado em concurso viciado, momento a partir do qual contrai automaticamente uma elevada divida de que um dia poderá ou não vir a libertar-se. A melhor forma de identificar um destes investigadores (ou docentes) é através da constatação da sua capacidade ilimitada de continuar a obedecer cegamente ao "negreiro" por maiores que sejam as humilhações sofridas às mãos daquele. Estes investigadores (ou docentes) raramente expressam opiniões que sejam contrárias ao status quo e muito menos dizem algo que possa desagradar ao seu "negreiro".