sábado, 21 de novembro de 2020

Sousa Tavares volta a acertar no cravo




O Miguel Sousa Tavares está de parabéns por voltar a acertar no cravo, com a sua crónica ontem no Expresso, sobre um tema gravíssimo que neste blog foi comentado em 30 de Março https://pacheco-torgal.blogspot.com/2020/03/estrangeiro-torturado-ate-morte-no.html

É contudo altamente improvável, esperar que elementos das forças de Segurança, que foram submetidos a um treino militar, que dá corda livre aos instintos mais primários, depois revelem permanentemente um comportamento pacifico, principalmente quando submetidos a situações de tensão. Não pode por isso constituir elevada surpresa o invulgar número de casos em que tais elementos de segurança fizeram o que não deviam, como aquele famoso caso que ficou para a história deste país, da decapitação de um cidadão Português por um GNR que entretanto já foi libertado.  

Ou aqueles casos mais recentemente relatados pela imprensa:

E o facto de haver problemas similares com militares de países do primeiro mundo, como o famoso centro de tortura física e sexual de Abu Ghraib ou o caso daqueles soldados dos EUA que mataram dezenas civis também no Iraque num conhecido massacre: https://en.wikipedia.org/wiki/Haditha_massacre e ainda continuam a matar  noutros sitios (o New York Times deu conta que só no ano passado os soldados daquele país mataram 132 civis) ou aqueles outros militares do exército da Australia, que soube-se na semana passada, também se envolveram em matanças similares de dezenas de civis incluindo de adolescentes, ajudando a perceber um comportamento que já foi descrito nalguma literatura em moldes bastante elucidativos: 
"One Vietnam veteran said directly that "a gun is power. To some people carrying a gun was like having a permanent hard-on. It was a pure sexual trip every time you got to pull the trigger." Others readily compared killing to sex (pp. 136-137). Grossman comments "Many men who have carried and fired a gun—especially a full automatic weapon—must confess in their hearts that the power and pleasure of explosively spewing a stream of bullets is akin to the emotions felt when explosively spewing a stream of semen"

Em Portugal, os elementos das forças de segurança, que tiveram um treino militar deviam por isso actuar somente em casos de criminalidade violenta, independentemente de já haver um subgrupo na GNR, dedicado somente a operações especiais, cuja foto aparece no inicio deste post https://www.operacional.pt/o-grupo-de-intervencao-de-operacoes-especiais-da-gnr/  Já aqueles que contactam diariamente com civis, deviam antes de o poder fazer, ter de passar por um treino para os "desprogramar" do treino militar a que erradamente foram submetidos. Acresce que se a percentagem de elementos da GNR que apresentam traços de psicopatia for de apenas 1% (a mesma percentagem do resto da população, que é contudo bastante inferior às percentagens encontradas no sector corporativo) isso significa que haverá naquela força de segurança mais de duas centenas de elementos, capazes de actos que podem passar, pela humilhação das pessoas que deviam servir como se viu por exemplo no mês passado e que podem inclusive chegar a situações de tortura e morte. Razão pela qual faria todo o sentido fossem realizados testes de despistagem de psicopatia nesta força de segurança, da mesma forma que já sugeri que se fizessem também para o ingresso nos cursos de medicina (e de enfermagem). 

PS - É verdade que há muitos individuos que receberam um treino militar e são pessoas muito equilibradas e com grande auto-controlo, contudo isso não é garantia que todos o sejam e bastam alguns poucos casos (como por exemplo o do tal cidadão que foi torturado e morto no aeroporto de Lisboa) para causarem evidentes preocupações que exigem medidas que eliminem ou pelo menos minimizem esse gravíssimo problema. É também importante não confundir psicopatia com Schadenfreude, que como me recordou recentemente o António de Castro Caeiro, da Universidade Nova foi uma emoção formulada há mais de dois mil anos pelos Gregos, através da palavra Epikhairekakia que segundo ele designa o "regozijo desmesurado pelo mal alheio".